O poder do headshot

Se você não está acostumado com o universo dos jogos digitais, vou explicar o título deste artigo. Headshot significa tiro na cabeça, uma expressão em inglês que é usada entre os jogadores de videogames para se referir ao tiro que acerta na cabeça do adversário durante o jogo.

Mas por favor, não se assuste com o termo, pois estamos falando de jogos digitais, ok? Este termo é utilizado pelos jogadores de games de tiro em primeira pessoa (FPS), representando assim o sucesso ao eliminar um alvo ou seu inimigo no jogo.

Entre os jogadores de videogames, isso tem um significado emblemático pois mostra destreza, muito treino e foco. Com isso quero dizer que, com o foco no treino constante, o jogador se torna mais eficiente e com um único tiro elimina o seu adversário. Portanto, o poder do headshot é sobretudo o foco.

Vamos falar então em foco, ok? Enquanto você lê este artigo, quantas abas estão abertas no seu navegador? Quantas mensagens estão chegando constantemente naqueles grupos de WhatsApp que você participa (e nunca manda nenhuma mensagem ou resposta)? E aqueles alertas dos grupos do Facebook que nunca param de chegar? Sem falar nas inúmeras mensagens de e-mail que para nada servem (SPAM e mais SPAM).

Nos dias de hoje, o foco é um fator cada vez mais complexo. A hiperconectividade, wi-fi onipresente e um computador multitarefa na palma da sua mão tornam cada vez mais difícil a tarefa de se manter o foco em suas atividades. Resultado? Você tem aquela sensação de ser cada vez mais improdutivo, pois existem muitos fatores e estímulos que roubam a sua atenção. A consequência disso é que você utiliza mal o tempo e acaba trabalhando mais.

Contudo, se pensarmos na situação onde o jogador de videogames elimina seu adversário com um headshot, temos a nítida impressão que ele está completamente focado em sua atividade, pois o gamer, em uma situação de jogo, está sempre focado.

Foco, determinação e headshot

Em uma rotina que muda a cada dia em função das novas tecnologias de informação e comunicação, ser eficiente em suas atividades diárias é fundamental. E isso não se aplica apenas ao ambiente de trabalho e sim na vida, seja no âmbito familiar, pessoal e profissional. Se neste momento você pensou em ócio criativo, vamos deixar este assunto para outro artigo, ok? 😉

A incessante busca por novidades, notícias e estímulos externos roubam nossa atenção. Faça um teste hoje mesmo: ao acordar e antes mesmo de escovar os dentes e tomar café da manhã, quantas vezes você checa o seu smartphone? Pesquisas indicam que isso acontece, no mínimo, 3 vezes. Não estou fazendo aqui apologiza ao não uso das novas tecnologias, mas devemos usá-las da melhor maneira possível para que não sejam prejudiciais à nossa vida. Tenha determinação em manter o foco.

Não seja escravo do seu smartphone!

Daniel Goleman, autor do livro Foco, diz que a informação consome a atenção de quem a recebe. Eis por que a riqueza de informações cria a pobreza de atenção, e continua afirmando que a nossa capacidade de impedir as distrações digitais é diminuída pela exaustão cognitiva, que envolve a atenção e a percepção. Sem encontrar maneiras de se manter focado, não podemos deixar de ficar distraídos.

No ambiente acadêmico isso é muito comum. Orientadores, em geral, sempre dizem e repetem para seus orientandos: – “É preciso focar em sua pesquisa”. Esta atenção total ao tema, aliada à determinação pessoal do acadêmico é que trará um bom resultado de pesquisa, seja ela um TCC, uma Iniciação Científica, um Mestrado ou Doutorado.

Além de ser contemporânea, esta é uma questão emergente. Manter o foco é fundamental. Mas como se manter mais focado em um ambiente cada vez mais caótico? É simples: elimine as distrações em sua rotina diária. Assim como o gamer, procure fazer uma única atividade de cada vez, com foco total nela.

Tenho plena certeza que, ao eliminar as distrações e manter o foco em uma única atividade por vez, sua produtividade aumentará. E assim, acertar aquele headshot naquela sensação de improdutividade.

Se você gostou de tema, não deixe de ler o livro “Foco” de Daniel Goleman.

David de Oliveira Lemes (@dolemes) é professor do Departamento de Computação da PUC-SP. Consultor na área de educação e tecnologia. Editor do GameReporter e também leciona na FIAP, FECAP e Faculdade Impacta. Gostaria de uma palestra ou consultoria para sua empresa, evento ou instituição de ensino? Entre em contato.

A importância da gambiarra (bem feita)

Gambiarra, todos aqui já devem ter ouvido falar nisso, não? Fazendo uma leitura rápida do termo, podemos dizer que gambiarra é algo precário, feio, tosco ou mal acabado. Certo? Visualize isso por um momento. Analisando a etimologia da palavra, sua origem está ligada a algo contrário ou duvidoso, como um ramificação de extensão de luz, o famoso “gato”. Só consultar os dicionários para ler mais sobre isso. E o “gato” é só um dos exemplos.

Contudo, não podemos apenas nos ater a estes termos. A palavra também tem um significado ligado ao improviso ou ao ato de construir e desenvolver uma solução improvisada. Se você, alguma vez já fez isso, ou seja, construiu uma solução improvisada, você pode ter feito uma “gambi”, como também é chamada. Mas veja bem, qual a ligação da improvisação com a criatividade?

A gambiarra não é uma exclusividade brasileira como muitos podem pensar. Na Índia, um sinônimo seria a palavra jugaad, que significa algo como um conserto inovador, uma solução improvisada com engenhosidade e inteligência. Os chineses tem uma expressão que tem o mesmo significado: zizhu chuangxin. Já os franceses, como não poderia deixar ser, contam com uma palavra chique para denominar a gambiarra brasileira: système D.

Podemos dizer que a gambiarra é universal. Só muda de nome por aí.

Se analisarmos sob o ponto de vista da solução inventiva e improvisada, ou solução alternativa a um problema, a gambiarra está ligada diretamente à criatividade. Se partimos do pressuposto que, uma das definições de criatividade é a capacidade individual ou coletiva de resolução de problemas, a gambiara, de uma forma ou de outra, estará presente.

Durante o processo criativo, de forma geral, o primeiro passo é se envolver, entender e sentir o problema a ser resolvido. E se a solução precisa ser rápida, acredite, a gambiarra estará presente.

E falando de processo criativo, o resultado final da resolução de um problema pode resultar em um produto, serviço ou uma nova solução, que pode ser útil e aceita por algum tempo. A solução pode até ser implementada no decorrer do seu desenvolvimento, mas enquanto estiver em fase de testes, com acertos e erros, a gambiarra está por lá.

Responda, e pode ser nos comentários aqui: quantas vezes vocês fez algo que tinha certeza ser uma gambiarra bem feita?

Em um mundo cada vez mais conectado e instantâneo, a resolução rápida e eficaz de problemas é uma disciplina cada vez mais explorada e necessária para a vida pessoal e corporativa. E se, muitas vezes a resolução tem que ser rápida, inventiva e certeira, a gambiarra poderá estar presente. E isso não é nenhum demérito e sim uma necessidade. 

Mas… a gambiarra tem que ser provisória e NUNCA a solução final. Boas gambiarras para você! 😉

Se você gostou de tema, não deixe de ler o livro “A Inovação do Improviso”.

David de Oliveira Lemes (@dolemes) é professor do Departamento de Computação da PUC-SP. Consultor na área de educação e tecnologia. Editor do GameReporter e também leciona na FIAP, FECAP e Faculdade Impacta. Precisa de uma palestra para sua empresa, evento ou instituição de ensino? Entre em contato.

Você conhece a Fábula de Jogo?

Games são obras narrativas. Independente da natureza do jogo digital, até mesmo um simples puzzle lógico traz em si elementos narrativos que contam uma história, uma aventura ou simplesmente um processo de descoberta. Chegou a hora de conhecer a Fábula de Jogo!

Em um jogo digital, além de você poder jogar uma história, você pode interpretá-la de várias maneiras. A cada nova etapa vencida, uma nova descoberta se faz. E não se pode negar que a narrativa encontra no game um habitat fértil (Santaella, 2007).

Fértil, pois o ambiente digital, onde acontecem as dinâmicas de jogo, propicia que a multilinearidade narrativa inerente a este meio esteja presente e seja aplicada, lida e relida sempre que um novo ato de jogar aconteça.

Contudo, é preciso aqui começar a definir um caminho a ser percorrido na presente pesquisa e perguntar: mas o que são de fato obras narrativas? De acordo com Barthes (2011), “a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, na conversação”. Como a primeira edição da obra citada foi escrita em 1973, o game, o videogame e os jogos digitais não estão na lista do autor. Fosse o livro escrito por Barthes alguns anos depois, estariam, pois games contam histórias que podem ser jogadas.

Neste sentido usaremos o conceito de fábula proposto por Bal (1997) para estabelecer os parâmetros de análise na narrativa. E dentro de um estudo aprofundado sobre o tema, a autora apresenta o conceito de fábula. Como podemos definir o que é uma fábula dentro deste contexto? Antes é preciso saber como o termo é usado.

Na Língua Portuguesa, a palavra “fábula” apresenta diversos significados, como: narrações alegóricas cujas personagens são, por via de regra, animais, e que encerra uma lição de moral, com as fábulas de La Fontaine. Mitologia, lenda: os deuses da fábula. Narração de coisas imaginárias: ficção. Fabulação. Assunto de crítica. Enredo. Quantia ou importância muito elevada: grande soma de dinheiro (Portella, 1983).

Já o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis, define fábula destas seis formas: 1 – Pequena narrativa em que se aproveita a ficção alegórica para sugerir uma verdade ou reflexão de ordem moral, com intervenção de pessoas, animais e até entidades inanimadas. 2 – Narração imaginária, ficção artificiosa. 3 – Narrativa ou conjunto de narrativas de ideação mitológica; mito. 4 – Entrecho ou urdidura de qualquer obra de ficção. 5 – Os elementos de deformação da realidade nas composições do gênero épico ou de invenção. 6 – Mentira.

A segunda definição de “fábula” (narração imaginária, ficção artificiosa) contribui para o uso da palavra fábula no contexto deste trabalho de pesquisa, assim como uma definição de Portella: narração de coisas imaginárias, ficção. Este é o sentido de fábula que adotaremos neste trabalho.

Tendo a narrativa como um dos pontos relevantes neste texto, vamos assumir que, dentro do contexto da Língua Portuguesa, o conceito de enredo e narrativa para tratar especificamente da fábula e construir aqui uma raciocínio para a apresentação do conceito de Fábula de Jogo.

Cabe aqui considerar uma fábula como um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. A fábula, como um todo, constitui um processo, embora cada evento também possa ser chamado de processo, ou pelo menos parte dele. É fundamental distinguir as três fases da fábula: a possibilidade (ou virtual), o evento (ou realização) e o resultado (ou conclusão) do processo. Nenhuma dessas três fases é indispensável. Uma possibilidade pode ou não ser realizada. E mesmo que o evento aconteça, nem sempre é garantida uma conclusão satisfatória (Bal, 2017).

Veja um exemplo específico desta do universo dos games. O jogo Super Mario Bros, lançado em 1985 pela Nintendo, conta com oito mundos e, cada um destes mundos possui quatro fases. O objetivo final do personagem principal é enfrentar, no oitavo e último mundo, o vilão chamado Bowser, salvar a Princesa Peach e libertar os habitantes do Reino dos Cogumelos.

Para chegar ao objetivo final, Mario, o personagem principal, vive uma sequência de eventos e acontecimentos, formando assim a narrativa presente no jogo. Contudo, a conclusão do objetivo final, nem sempre é satisfatória e alguns eventos podem não acontecer em um primeiro momento, pois o jogador precisa aprender como vencer os vilões para assim salvar a Princesa Peach. Apesar de uma conclusão não satisfatória, o jogo continua até a conclusão satisfatória.

Como podemos ver, a história do jogo é uma narrativa. E, de acordo com Bremond (2011), “toda narrativa consiste em um discurso integrado em uma sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”. Olhando para a história dos games, desde o seu início, até os dias atuais, não é difícil fazer esta analogia direta: um jogo digital é composto, dentre tantos elementos, de um agrupamento específico de uma série de acontecimentos. Estes acontecimentos, apesar de serem jogados quando o game está pronto, passou por um planejamento prévio, um processo de criação e escrita e construção de uma narrativa. E é este processo de criação e de definição da sequência de acontecimentos que daremos o nome aqui de Fábula de Jogo.

E neste ponto vou propor que, uma Fábula de Jogo [FDJ] é, portanto, uma sequência de acontecimentos narrativos que podem ser jogados construindo assim a narrativa presente no jogo digital. Estes acontecimentos narrativos devem estar documentados de alguma forma durante o processo de criação, antes de serem programados para serem transformados em um jogo digital.

Veremos mais sobre o processo de documentação em textos futuros, mas caso tenham dúvidas, deixe aqui seu comentário.

Sendo a proposta de Fábula de Jogo ser uma sequência de acontecimentos narrativos, o que aconteceria se isolássemos estes acontecimentos, ou seja, separarmos em acontecimentos independentes?

Este é um assunto para o próximo texto.

Referências Bibliográficas

BAL, M. Narratology: Introduction to the Theory of Narrative. 2nd. ed. Toronto: University of Toronto Press, 1997.

BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa – 7a edição. Petrópolis: Vozes, 2011.

BREMOND, C. A lógica da narrativa. BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2011.

SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

PORTELLA, O. O. A fábula. Revista Letras, v. 32, 1983.

Gamificação e Educação: estudo de caso da Escola Quest to Learn

Em 2016, o Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital teve sua décima quinta edição, mantendo a sua posição de destaque como evento de pesquisa e desenvolvimento de jogos digitais da América Latina. A realização deste evento anual é de responsabilidade da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), através de sua Comissão Especial de Jogos e Entretenimento Digital. Neste ano, o evento foi também realizado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, com promoção da ABRAGAMES (Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais).

O SBGames 2016 foi composto por quatro trilhas (Computação, Artes e Design, Indústria, Cultura) com artigos, além de Tutoriais. Esse é o conteúdo incluído nestes anais. Adicionalmente, o evento incluiu o Festival de Jogos, Mostra de Artes, palestras convidadas no Fórum Abragames/IGDA, um workshop de trabalhos de graduação, um workshop de teses e dissertações, um workshop de jogos para saúde e a segunda edição do SBGames Kids & Teens.

Leia o trabalho produzido por David de Oliveira Lemes e Murilo Henrique Barbosa Sanches.

A gamificação surgiu nos últimos anos como uma forma de inovar e mudar a maneira como a sociedade se relaciona com diversas atividades em áreas distintas. No que diz respeito à área educacional, existem experiências interessantes na relação entre gamificação e educação.

O objetivo deste artigo é analisar a escola nova-iorquina Quest to Learn, pioneira no uso da gamificação na educação e que vem trabalhando para gamificar todo seu currículo e com isso atingindo grande êxito desde sua fundação. Nos últimos anos a escola ganhou espaço na mídia internacional com várias notícias e reportagens, porém elas geralmente abordam apenas tópicos básicos do projeto. Ainda há grande dificuldade em achar conteúdo realmente informativo e que vá a fundo em como ela realmente funciona, principalmente em língua portuguesa.

A pesquisa foi feita a partir da busca de informações sobre a fundação da escola, seus princípios, como ela entende a gamificação na educação, como lida com professores e alunos e como é o currículo escolar.

Leia o trabalho completo publicado nos Anais da SBGames 2016.